O estudante Julius Isingoma contou à BBC como sobreviveu
milagrosamente a um ataque realizado supostamente por rebeldes islâmicos no
dormitório da sua escola no oeste de Uganda.
"Passei o sangue dos meus colegas mortos na boca,
nas orelhas e na cabeça para os agressores pensarem que eu estava morto",
disse ele, quando o encontramos no Hospital Geral de Bwera, no distrito de
Kasese.
Cerca de 40 pessoas — sendo 37
estudantes — morreram no ataque a uma escola de ensino médio na
pequena cidade de Mpondwe na noite da última sexta-feira (16/06).
O presidente da Uganda, Yoweri
Museveni, culpou as Forças Democráticas Aliadas (ADF, na sigla em inglês) pelo
ataque, acrescentando que "estavam possivelmente trabalhando com outros
criminosos, porque ouvi dizer que houve algumas disputas na escola".
Ele
não entrou em detalhes, mas prometeu ir atrás dos integrantes do grupo rebelde
em seus esconderijos na fronteira com a República Democrática do Congo.
A
ADF ainda não comentou.
O
grupo foi formado na década de 1990 e pegou em armas contra Museveni, alegando
perseguição à minoria muçulmana.
Seu
líder teria jurado lealdade ao grupo extremista autodenominado Estado Islâmico
em 2016.
Mas
o Estado Islâmico só reconheceu pela primeira vez sua atividade na área em
abril de 2019, quando reivindicou a autoria de um ataque a posições do Exército
perto da fronteira com a Uganda.
Acredita-se
que seis estudantes foram sequestrados enquanto os autores do ataque se
retiravam para a República Democrática do Congo.
Julius
está entre as seis pessoas que conseguiram sobreviver ao ataque que durou
várias horas.
Ele
não identificou os agressores, mas disse que homens armados iniciaram o ataque
por volta das 22h (horário local).
Eles
foram até o dormitório masculino, mas os alunos haviam trancado a porta ao
perceber que corriam perigo.
"Quando
eles não conseguiram abrir a porta, jogaram uma bomba dentro do dormitório e
depois usaram martelos e machados para arrombar a porta", diz ele.
Julius
estava atrás de vários colegas que formaram uma barreira perto da porta e foram
mortos a tiros quando os agressores entraram no dormitório.
Ouviam-se
gritos à medida que os alunos eram baleados, esfaqueados ou mortos a tiros.
Ele
subiu rapidamente em um beliche, tirou algumas tábuas de madeira do teto e
entrou lá dentro para se esconder.
De
lá, assistiu impotente a seus colegas sendo brutalmente assassinados pelos
criminosos, que na sequência atearam fogo em colchões e foram embora.
"Fui
tomado pela fumaça e caí no dormitório com um baque", ele lembra.
Os
autores do ataque ouviram o barulho e voltaram.
Foi
nesse momento que Julius soube que precisava sair vivo dali.
"Deitei
ao lado dos corpos ensanguentados dos meus amigos e pensei muito rápido. Depois
passei muito sangue nas orelhas, na boca e na cabeça — e quando os agressores
chegaram, verificaram meu pulso e foram embora", diz Julius.
Outro
sobrevivente, Godwin Mumbere, estava no mesmo dormitório que Julius.
O
rapaz de 18 anos se lembra dos agressores indo ao dormitório feminino,
arrastando as estudantes para fora e matando-as com golpes de facão.
Depois,
eles foram ao dormitório masculino, arrombaram a porta e começaram a atacar os
alunos.
A
cama sob a qual Godwin estava escondido foi derrubada, e seus amigos que
estavam no topo caíram no chão e foram mortos.
"Os
agressores me viram, mas pensaram que eu estava morto", disse ele à BBC.
Eles
saíram do dormitório, mas voltaram para garantir que todos estivessem realmente
mortos.
"Foi
nesse momento que eles atiraram na minha mão e incendiaram o dormitório",
afirma.
Godwin
foi trazido de volta à realidade pelos gritos de outro estudante que dizia que
eles estavam morrendo.
Ele
saiu correndo do dormitório, pulou o portão da escola e foi até uma loja de
ferragens próxima, passando por uma plantação de cacau. Chegou até um
alojamento e se escondeu embaixo de um carro até ser resgatado.
Clarice
Bwambare, administradora do Hospital Geral de Bwera, disse à BBC que eles
começaram a receber os corpos de estudantes e moradores por volta de 1h da
manhã — cerca de três horas após o início do ataque na noite de sexta-feira.
Ela observou que dos 20 corpos recebidos, 18 eram de
estudantes.
Cinco sobreviventes estão se recuperando atualmente no hospital.
Um deles é uma menina que está em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI). Um cirurgião recomendou que ela não fosse transferida por causa de um
ferimento grave na cabeça após ser atingida por um martelo pelos rebeldes.
No domingo, 21 dos estudantes mortos foram sepultados por
suas famílias, de acordo com o jornal New Vision de Uganda.
Deitado em seu leito no hospital, Julius lamentou não
poder comparecer aos funerais. Ele disse que gostaria de ser um soldado, capaz
de revidar e salvar a vida de seus amigos e colegas.