Os 194
baianos que foram resgatados de trabalhos análogos à escravidão durante uma
operação policial na quarta-feira (22), em vinícolas da Serra Gaúcha, no Rio
Grande do Sul, já estão a caminho da Bahia. Eles embarcaram na noite de
sexta-feira (25).
Os
trabalhadores que viajam com destino à Bahia se emocionaram ao se despedirem
dos agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que receberam a denúncia. Eles
devem chegar à Bahia na próxima segunda-feira (27).
Quatro
optaram por continuar em Bento Gonçalves. Eles atuavam na colheita e carga e
descarga da uva, segundo o MTE.
Além de
vinícolas, os trabalhadores resgatados trabalhavam para 23 proprietários rurais
que contratavam serviços de trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves.
Os
trabalhadores contaram para aos policiais que foram contratados para trabalhar
em vinícolas, colhendo uvas em Caxias do Sul. Foi garantido ao grupo salário de
R$ 3 mil, acomodação e alimentação. Na chegada, contudo, encontraram condições
desumanas.
Eles
receberam R$ 500 de verbas rescisórias antes do embarque, e o restante será
depositado na segunda-feira (28) por depósito bancário.
De acordo
com os relatos, os trabalhadores foram colocados em um alojamento em condições
precárias, mal iluminado e com ventilação escassa. Durante as refeições,
recebiam alimentação estragada. Os salários era pagos com atraso, e as vítimas
contaram que eram coagidas a permanecer no local, sob pena de pagamento de
multa por quebra do contrato de trabalho.
Havia longas
jornadas de serviço e também castigos físicos, narraram as vítimas. Uma arma de
choque e um spray de pimenta foram apreendidos no local. A PRF divulgou um
vídeo nas redes sociais do momento em que os trabalhadores foram resgatados.
Uma das vítimas descreveu as condições em que vivia.
Bastante
conhecidas no mercado, as três vinícolas para quem os trabalhadores prestavam
serviços terceirizados de colheita - Aurora, Garibaldi e Salton - se disseram
surpreendidas com o resgate e afirmaram que não compactuam com as práticas
flagradas pela PRF.
A gente saia
4h e ia para as fazendas trabalhar catando uva. Voltava 22h, 23h. O carro
largava a gente lá, para ficar esperando [ele voltar], e tratavam a gente como
se fôssemos bicho. Pegavam a quentinhas com a comida azeda e davam para a gente
comer. Diziam: ‘vocês têm que comer isso mesmo, porque baiano bom é baiano
morto’. A gente é pai de família, trabalha, contou uma das vítimas, sob forte
indignação
Outro
trabalhador contou ao agentes rodoviários
federais que direitos básicos eram ignorados. “Não respeitavam quando a
gente ficava doente e tratavam a gente que nem cachorro. Viemos para trabalhar
e nos matar, porque a gente saia cedo e voltava bem tarde”, desabafou.
Escapada de trio
deu origem a cerco da PRF
O crime só
foi descoberto por que três trabalhadores conseguiram fugir. Foram eles que
alertaram os agentes da PRF de Bento Gonçalves que viviam em regime semelhante
à escravidão e que foram mantidos contra a vontade no alojamento. Os policiais
acionaram outras instituições e decidiram montar uma operação.
O flagrante
aconteceu na quarta-feira à noite, durante ação da PFR em conjunto com o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Polícia Federal. O responsável pela
empresa, que possui contratos com vinícolas da região, foi preso e levado para
a PF de Caxias do Sul.
Depois, o
suspeito foi transferido para um presídio em Bento Gonçalves, mas acabou
liberado após pagar fiança e R$ 40 mil. O nome dele não foi divulgado. Também
baiano, ele tem 45 anos e é natural de Valente, no Nordeste do estado.
Relembre
casos de trabalho escravo na Bahia que tiveram repercussão
7 de
dezembro de 2022 - Uma mulher de 59 anos foi resgatada pela Auditoria Fiscal do
Trabalho, em São Gonçalo dos Campos, a poucos quilômetros de Feira de Santana.
Ela residia no local de trabalho há quase 35 anos, fazia todo o serviço
doméstico, sem nunca ter recebido salário nem qualquer outro direito
trabalhista.
12 de agosto
de 2022 - Uma mulher foi resgatada de um trabalho abusivo na cidade de Santa
Teresinha, no Recôncavo baiano. Ela trabalhava como empregada doméstica, porém,
em condições análogas à de escravidão, há 12 anos, em uma casa que abrigava um
bar e também era abrigo para idosos;
18 de julho
de 2022 - A inspeção do trabalho na Bahia realizou ações fiscais de combate ao
trabalho análogo ao de escravo em 37 empregadores em todo o estado. Dos 400
trabalhadores alcançados, mais da metade se encontravam sem registro, e 25
foram resgatados no município de Barra do Choça, no Sul da Bahia.
Março de
2021- Madalena Santiago da Silva, 62 anos, foi resgatada depois de trabalhar 45
anos como empregada doméstica sem receber salários em Lauro de Freitas, na
região metropolitana. Ela teve os dados usados para contratar empréstimos,
sofreu maus-tratos e injúria racial. A Justiça do Trabalho bloqueou R$ 1 milhão
em bens da família para pagamento de danos morais e verbas rescisórias.